Como o jornalismo mudou nas últimas décadas
- Miguel Ângelo Pinto
- 31 de out. de 2023
- 3 min de leitura
Atualizado: 19 de jan. de 2024
É cada vez mais raro vermos, ou lermos, bom jornalismo em Portugal. Dá muito trabalho, exige conhecimentos (como escrever português…) e é caro.
Quando entrei para o jornalismo, em 1993, o meio de comunicação mais avançado que existia era, muito provavelmente, o fax. Já se começava a falar de uma coisa chamada email, ligar o computador a uma coisa incipiente chamada internet demorava meia hora (a correr bem) e nas entrevistas ainda se usavam cassetes (estavam longe os gravadores com dezenas de gigas de memória). Parece um mundo muito distante, não parece? Mas a verdade é que foi apenas há 30 anos, uma fração minúscula de tempo no contexto da evolução humana.
Como tudo o que foi mudando na nossa vida, também o jornalismo sofreu uma transformação radical nestas três décadas. O avanço tecnológico deixou marcas profundas na profissão, alterando o seu paradigma e obrigando a avançar por um caminho que no início da década de 1990 parecia ainda muito longínquo. Ninguém estava preparado para a velocidade a que as mudanças se foram sucedendo. Ainda me lembro bem dos sorrisos trocistas de muitos jornalistas quando alguns “loucos” iam proclamando que o papel dos jornais tinha os dias mais ou menos contados (ou pelo menos que iriam rapidamente deixar de ser dominantes). Não me esqueço do aparecimento dos primeiros sites noticiosos em que a maioria dos jornalistas, em vez de perceber como aquela ferramenta iria moldar a profissão e como nos podíamos adaptar a ela, achou tratar-se de um trabalho menor, ideal para o “estagiário”. Durante muito tempo, grande parte dos jornalistas decidiu ser parte do problema, em vez de contribuir para a solução. E alguns dos danos causados à profissão por essa postura são irreparáveis.
O jornalismo mudou de forma radical, impulsionado pelo aparecimento de uma revoada de instrumentos que alargaram de forma dramática o papel do emissor da comunicação. Foram pequenos passos que, sem notarmos, tomaram cada vez mais conta do espaço informativo. Primeiros os ainda algo rudimentares blogues, instrumentos que com o correr do tempo ocuparam alguns nichos de informação a que os meios de comunicação social tradicionais não chegavam (ou não queriam chegar), começando aí um processo impagável de monetização da informação.
Depois, claro está, a explosão das redes sociais, esse albergue espanhol onde tanto encontramos um brilhante texto a dissecar Sartre, como nos deparamos com um vídeo de um minuto de uma adolescente a encher uma garrafa de cola com mentos. Adivinhem qual terá mais audiência? A informação começou a correr a uma velocidade estonteante, quase imediata, surgiu o nefasto conceito do cidadão-repórter. Qualquer pessoa com um smartphone faz informação. Ou pelo menos aquilo que uma imensa massa de gente julga ser informação. Mas não é. A esmagadora maioria do que as audiências consomem é lixo e desinformação.
O jornalismo não podia ficar parado perante esta avalanche tecnológica que tem vindo a moldar o mundo nas últimas décadas. É a evolução natural das coisas. Mas a verdade é que o jornalismo deixou de ter o papel primordial no escrutínio de políticos e instituições, surgindo, na maior parte das vezes, misturado num turbilhão de meias notícias, meias verdades, teorias da conspiração, perfis falsos, bots, enfim, esse flagelo a que chamamos “fake news”. Combater esta realidade é o maior desafio do jornalismo atualmente. Só que o combate não é justo e as armas são desiguais.
É cada vez mais raro vermos, ou lermos, bom jornalismo em Portugal. Dá muito trabalho, exige conhecimentos (como escrever português…) e é caro. No entanto, o preço a pagar pelo definhamento desta nobre profissão será sempre muito mais elevado.
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