Maria Barros: a caminho dos Jogos Olímpicos de Paris
- Margarida Gomes Rodrigues
- 30 de out. de 2023
- 5 min de leitura
Atualizado: 19 de jan. de 2024
A jovem de 22 anos deu o tiro certeiro e conquistou um lugar nos Jogos Olímpicos de Paris. O CONTRAPONTO (C) conversou com a Maria (M) sobre os desafios de uma carreira jovem e promissora.

Fotografia: Comitiva Olímpica de Portugal
C: Conte-nos um pouco sobre como surgiu a paixão pela modalidade de tiro com armas de caça e em que idade?
M: Tudo começou com o meu avô, que era caçador, e os caçadores mesmo nos dias de hoje podem treinar nos campos de tiro e até existem modalidades em que os pratos simulam as trajetórias de espécies cinegéticas. O meu pai e também o meu padrinho, irmão mais novo do meu pai, conheceram este mundo através dos hábitos do meu avô. O meu pai começou a ingressar em provas do nacional na altura em que eu nasci em 2001. O que influenciou bastante a minha infância, uma vez que, ia sempre com ele todos os fins-de-semana para as provas, inclusive a minha primeira viagem de avião foi quando o meu pai participou numa contagem do nacional que na altura ocorreu nos Açores, tinha eu na altura 1 mês de vida se tanto. E, pronto, desde cedo tive contacto com o desporto, mas confesso que no início não achava piada porque passava imenso tempo nos campos de tiro e não tinha nada para fazer já que não tinha idade sequer para perceber a dinâmica de uma prova.
"Só mais tarde, quando fiz 12, 13 anos, é que voltei a interessar-me pelo desporto e a acompanhar novamente o meu pai, aliás pode se dizer que foi por minha causa que ele voltou a atirar no nacional, nesta altura ele já estava para desistir. Quando atingi a idade mínima para ser aceite no exame de licença de Tiro Desportivo, ou seja, aos 14 anos iniciei a minha carreira desportiva. Aliás, só aos 14 anos e meio porque tive de esperar para que um exame fosse marcado na Região Norte, isto é, em 2015."
C: Sabemos que está a tirar medicina veterinária, como é conciliar a faculdade com os treinos para os jogos de Paris?
M: É complicado, principalmente agora no último ano em que temos de conciliar um horário, já preenchido, com saídas de campo, com ambulatórios, com turnos de urgência, e ainda, os trabalhos que temos para fazer e apresentar, para além disto tudo, ainda tenho de conseguir conjugar a minha vida desportiva. Não é nada fácil, mas quando se gosta e se tem gosto pelo desporto que se pratica, tudo se consegue. E, nisto, o tiro obrigou-me a desenvolver uma característica que para mim era um ponto fraco, que é a organização. Era uma pessoa que decidia no momento e agora, já com outra mentalidade, tenho noção que assim não iria conseguir vincar em nenhuma das duas vertentes. Em suma, vou tentar o meu melhor para conseguir conciliar as duas coisas.
C: Como é vista a modalidade que pratica em Portugal? Existem apoios suficientes?
M: Infelizmente, acho que em Portugal a modalidade não é bem vista, principalmente pelo nome que tem. A nossa federação é a Federação Portuguesa de Tiro com Armas de Caça, então há muita gente que assume que todos os atiradores estão associados à caça, e em parte é verdade que temos uma parcela de atiradores que são caçadores, eu inclusive. Mas é um desporto como os outros, temos imensas regras de segurança e do meio ambiente a cumprir, todos os anos temos de nos apresentar a um médico para obtermos um atestado médico, só com esse documento conseguimos renovar a nossa licença desportiva. Nunca tivemos acidentes, no entanto, como também é um desporto que lida com armas sofremos logo com conotações negativas que sinceramente não entendo. Para mim, as armas não são perigosas, tudo depende da forma em que são envergadas. Mesmo com esta visão da nossa modalidade, e apesar de ser um desporto dispendioso, existem apoios e cada vez mais a nossa federação está a melhorar as condições dos seus atletas em competição. O que é de louvar! E mesmo com as marcas de cartuchos e armas existem apoios.
C: Na modalidade considera que há muitas pessoas, principalmente mulheres, a quererem praticar tiro com armas de caça ou ainda é raro isso acontecer?
M: Tem se visto uma participação crescente nos exames de licença desportiva, até já houve exames em que a maior parte eram mulheres. Por isso, espero que seja um ponto que vá melhorar no futuro, e que haja cada vez mais atletas a participar no campeonato, e principalmente, que o sexo feminino apareça em peso.
Maria Inês Barros nos treinos para os Jogos Olímpicos de Paris. Vídeo: Comitiva Olímpica de Portugal
"Mesmo que já se note uma crescente aderência ao desporto, acredito e espero que com a participação nos jogos aumente exponencialmente essa aderência. Precisamos de cativar os mais jovens e sensibilizar a população para os vários desportos existentes."
C: E se não existem, pretende, com a participação nos Jogos Olímpicos, incentivar as portuguesas a experimentar este desporto?
M: Já me aconteceu, mais que uma vez até, dizer que pratico tiro e dizer que um dos meus sonhos é chegar aos Jogos Olímpicos e a reação das pessoas é nem saberem que existia este desporto e que era um desporto olímpico. E, de facto, o tiro está presente desde a 1ª edição dos Jogos Olímpicos, ou seja, não somos estranhos naquele palco. E, como se trata de uma prova da magnitude que são os Jogos Olímpicos, espero que ajude a melhorar a imagem do nosso desporto e que cative mais pessoas a experimentar.
C: Quando soube que tinha conseguido a qualificação quais foram os sentimentos? Achava que isso seria possível ou nem tinha pensado nisso anteriormente?
M: Senti tudo. Senti felicidade, alívio, concretização, senti imensa coisa, e ainda hoje não consigo descrever com certeza tudo o que senti. A qualificação para os Jogos Olímpicos é desde sempre um objetivo que eu tinha, desde que me federei em 2015, e apesar de alguns altos e baixos nunca deixei de acreditar que ia lá chegar.
C: Como se sente ao ser a primeira atiradora portuguesa a competir, a título individual, no maior evento desportivo do planeta?
M: Concretizada, pois esse também era um dos meus grandes objetivos de vida: ficar na história do tiro português. Mas agora que aqui cheguei, confesso que sinto uma enorme responsabilidade, porque vai ser a primeira prestação de uma mulher portuguesa na competição. E, isso, acresce um nervosismo extra que ainda tenho de aprender a lidar.
C: Quais são as expectativas para os Jogos Olímpicos?
M: As minhas expectativas para todas as provas a que vou são sempre as melhores mas, lá está, somos humanos de carne e osso e erramos, senão fosse por isso ganhava sempre o mesmo. Portanto, para os Jogos Olímpicos, como é a minha primeira participação, vou tentar desfrutar e abstrair-me do ambiente de prova. Contudo, vou sempre fazer o meu melhor e tentar orgulhar todos os portugueses.
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