Portugal regressa à zona amarela no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa
- Contraponto
- 17 de jan. de 2024
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Atualizado: 19 de jan. de 2024
De 2013 a 2023, 25 países passaram da zona verde (a mais alta) para a amarela, restando oito neste patamar.

Fotografia: autor anónimo
A liberdade de imprensa é fundamental para o funcionamento de uma democracia, que conta com o jornalismo para viver (e sobreviver). Na última década, assistiram-se a várias mudanças no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa, que mede a liberdade de cada país no mundo e no exercício da profissão. Sendo um tema cada vez mais abordado pela comunicação social, em particular desde a vinda a público da crise no grupo português Global Media Group (GMG), a liberdade de imprensa é a “capacidade dos jornalistas de selecionar, produzir e divulgar notícias no interesse público, sem interferências políticas, econômicas, jurídicas e sociais” (Repórteres Sem Fronteiras).
Esta forma de medir, com a maior exatidão possível, o estado do jornalismo ao redor do globo, é elaborado anualmente pela organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), avaliando a liberdade de imprensa em mais de 180 países e territórios. Os dados analisados são recentes, mas a história da organização não. Surgiu em 1985, em Montepellier, França, pela mão de quatro jornalistas que procuravam promover a liberdade de informação, naquela época (e um pouco atualmente), muito ameaçada pela censura.
O caso português na última década
No que à liberdade de imprensa em Portugal diz respeito, é notório um decréscimo na abertura que os profissionais do setor têm para exercer a sua profissão, muitas vezes pressionados por decisores políticos.
Em 2023, o último ano da análise feita, Portugal regressou à zona amarela do ranking, algo que não acontecia desde 2018, altura em que o país se situava na zona verde. A análise feita, que partiu da recolha de informação junto das entidades competentes, nomeadamente a RSF e a World Press Freedom Index, foram divididas em duas partes: uma de 2013 a 2017 e outra de 2018 a 2023.
De 2013 a 2017, a World Press Freedom Index publicou, juntamente com outros 179 países e territórios, alguns dados relevantes sobre Portugal, numa época em que se encontrava numa zona satisfatória (amarelo).
A evolução do caso português foi, nestes cinco anos, e numa abordagem geral, notória. É possível verificar, através da seguinte tabela, que Portugal melhorou significativamente o seu ranking desde 2013, passando da 28ª posição em 2013 para a 18ª em 2017, altura em que a liberdade de imprensa dava indícios de melhoria, embora tenha permanecido na zona amarela. Em comparação com cada ano anterior analisado, os números mostram uma tendência positiva na maioria dos anos.
Ano | Ranking | Pontuação | Ranking Ano Anterior | Pontuação Ano Anterior | Evolução do Ranking |
2013 | 28 | 83.25 | 33 | 5.33 | + 5 |
2014 | 30 | 82.27 | 28 | 83.25 | -2 |
2015 | 26 | 82.89 | 30 | 82.27 | +4 |
2016 | 23 | 82.73 | 26 | 82.89 | +3 |
2017 | 18 | 84.23 | 23 | 82.73 | +5 |
Tabela: Margarida Rodrigues/CONTRAPONTO
Portugal demonstrou assim uma melhoria significativa na liberdade de imprensa, o que culminou com a passagem de Portugal para a “zona verde” do ranking em 2018, embora não tenha permanecido assim durante muito tempo.
Com a transição política que marcou a década, ou seja, a passagem de um governo de centro-direita (o de Pedro Passos Coelho) que implementou várias medidas de austeridade, para o seu sucessor, o governo de centro-esquerda liderado por António Costa, foi um sinal positivo de estabilidade e governança democrática, que é benéfica para a liberdade de imprensa. Melhorias fulcrais como a recuperação económica, transformações a nível de políticas legais e fiscais e a segurança do país contribuíram para um espírito de maior liberdade, independência, melhores condições de trabalho para os jornalistas e uma imprensa livre e investigativa.
Tudo isto permitiu a chegada de Portugal em 2018 à zona verde do ranking, que em 2019, estava ainda melhor, pois Portugal passou de 14º lugar (2018) para 12º em 2019. O país continuou a subir no ranking, sempre a aumentar a sua posição, até o ano de 2023. No entanto, foi a partir de 2020 que o mundo, de forma, geral, começou a enfrentar maiores desafios.
O impacto da pandemia
Com a chegada da pandemia de COVID-19 e os consequentes desafios económicos e sociais, no início da década de 2020, a liberdade de imprensa viu-se ameaçada por diversos fatores. Por um lado, a desinformação era cada vez maior, sobretudo em relação às vacinas, que chegaram no fim desse ano. Por outro lado, com todas as restrições de saúde pública e as tensões políticas, os media deram conta que seria cada vez mais difícil manter a liberdade de imprensa.
A nível político, Portugal seguiu com o PS no poder, mas os eventos, como as eleições e as acusações de corrupção, podem ter afetado a perceção internacional do governo português.
A COVID-19 também trouxe repercussões negativas na economia, o que pode ter influenciado os meios de comunicação e afetado negativamente a sua independência.
A década ficou marcada por uma trajetória inicial de melhoria seguida por desafios mais recentes que podem ter causado uma ligeira deterioração na liberdade de imprensa em Portugal. A melhoria no ranking desde 2013 até 2017 reflete um período de estabilidade e recuperação económica, que culmina na chegada do país à “zona verde”, enquanto os anos mais recentes, sobretudo 2023, mostram o impacto de crises políticas, económicas (inflação) e de saúde pública. Apesar dos desafios, Portugal continua a ter um ranking relativamente alto, indicando que, embora tenha havido problemas, a estrutura geral para a liberdade de imprensa permanece robusta.
Uma vez que a partir de 2022, a análise de cada país passou a integrar os cinco indicadores (político, económico, legislativo, social e segurança), vamos comparar as mudanças nos diferentes indicadores para Portugal entre 2022 e 2023 no World Press Freedom Index.

Gráfico: Leonor Couto e Miguel Rocha Pinto/CONTRAPONTO
É importante referir que no espaço de uma década (2013 a 2023), o número de países na “zona verde” do ranking caiu de 25 para 8, simbolizando um decréscimo na liberdade de imprensa ao redor do mundo.
De 2022 para 2023, Portugal viu uma deterioração significativa nos indicadores político e económico, uma queda no indicador social, enquanto os indicadores legislativo e de segurança melhoraram. Estas mudanças sugerem um ambiente misto para a liberdade de imprensa, com avanços em algumas áreas, mas retrocessos em outras, que são cruciais para o funcionamento de uma imprensa livre e independente.
As áreas de preocupação passam, atualmente, pela deterioração das condições de trabalho dos jornalistas e pela precariedade dos mesmos (diminuição do tamanho das redações, diminuição, ao longo dos anos, dos recursos para o jornalismo investigativo, o que não é um bom indicador para a democracia, entre outros...). A isto junta-se o facto de o mercado jornalístico português ser dominado por uma pequena quantidade de grupos (Impresa, Cofina, Media Capital, Global Media e RTP).
Além do mais, o número de casos vindos de Portugal que chegam ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) relativos a violações da liberdade de imprensa também é elevado. Por exemplo, em 2017, o TEDH decidiu a favor de José Manuel Fernandes, antigo diretor do Público, que tinha sido condenado em tribunal por um artigo editorial de 2006 que escreveu sobre o então recém-eleito presidente do Supremo Tribunal, onde criticou o discurso de tomada de posse.
A nível de segurança, tem se vindo a ver alguns casos preocupantes, sendo que estão ligados a ameaças a jornalistas. Exemplo: em dezembro de 2020 e janeiro de 2021, os jornalistas da SIC que fizeram uma investigação acerca do partido de extrema-direita, o Chega, foram sujeitos a uma grande quantidade de insultos, assédio e ameaças online.

O ranking elaborado pela RSF está caracterizado por cores, sendo elas o verde (para países pontuados entre os 85 e os 100 pontos), o amarelo (70-85 pontos) que corresponde a um nível satisfatório, o laranja (55-70 pontos), que simboliza um nível problemático, laranja mais escuro (40-55 pontos), que se caracteriza num nível difícil, e o vermelho (0-40 pontos), que garante um nível muito grave no que à liberdade de imprensa concerne. Gráfico: Margarida Rodrigues/CONTRAPONTO
Análise Mundial
O panorama do jornalismo a nível mundial não é o mais simpático. A publicação de 2023 do Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa indica que a situação é “muito grave” em 31 países, “difícil” em 42 e “problemática” em 55, sendo “boa” ou “relativamente boa” em 52 países. Por outras palavras, as condições para o exercício da profissão são más em 7 de cada 10 países e satisfatórias em apenas 3 de cada 10 países.
Através do mapa é possível concluirmos que a Noruega mantém o primeiro lugar pelo 7º ano consecutivo, em segundo a Irlanda e em terceiro a Dinamarca. Os Países Baixos ocupam o sexto lugar, alteração significativa, uma vez que, sobrem 22 posições e recuperam o lugar que ocupavam em 2021, antes do assassinato do jornalista Peter R. de Vries.
O fundo da tabela também passou por mudanças significativas. Os três últimos lugares são ocupados apenas por países asiáticos: o Vietname, a China e a Coreia do Norte. Os três são conhecidos pela pouca liberdade de expressão e de imprensa.

Gráfico: Leonor Couto e Miguel Rocha Pinto/CONTRAPONTO
"O Ranking Mundial comprova a existência de uma forte volatilidade de situações, com ascensões e quedas significativas, mudanças sem precedentes, como por exemplo a subida do Brasil de 18 posições e a queda do Senegal de 31 posições. Essa instabilidade é o efeito do aumento da agressividade das autoridades em muitos países e da crescente animosidade contra os jornalistas nas redes sociais e fora delas. A volatilidade também é produto do crescimento da indústria do simulacro, que cria e distribui desinformação e fornece ferramentas para fabricá-la.
Christophe Deloire, Secretário-geral da RSF
Com a escalada dos principais conflitos mundiais, como a guerra entre a Rússia e a Ucrânia e entre Israel e o Hamas e o desenvolvimento da inteligência artificial, é evidente que a liberdade de imprensa é cada vez mais ameaçada, tanto pela pressão política de alguns governos pouco democráticos, como pela falta de investimento nos órgãos de comunicação sociais.
As notícias referentes a greves e despedimentos no meio jornalístico são cada vez mais recorrentes. Tudo indica que 2024 será um ano de muito trabalho e desafios para todo o setor.
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