Sem um futuro que nos prometeram
- Constança Carvalho
- 29 de dez. de 2023
- 3 min de leitura
Numa breve viagem pela comunicação social, percebemos que aquilo que se noticia, atualmente, é que, em Portugal, existem cada vez mais pessoas qualificadas e com qualificações cada vez mais graduadas. Mas, já dizia o nosso velho sábio Saramago que “a pior cegueira é a mental, que faz com que não reconheçamos o que temos à frente”. E talvez seja disso que o nosso país sofre, para não perceber a incoerência entre o aumento das qualificações e o desemprego que persiste na comunidade juvenil.
Na verdade, desde crianças que ouvimos o tão famoso conselho “tens que tirar um curso”; no entanto, parece que os nossos antecessores não tinham assim tanta razão, quando nos queriam fazer acreditar que, para termos uma vida economicamente equilibrada e socialmente favorável, era necessário esforçarmo-nos para obter um curso superior. E afirmo isto enquanto jovem licenciada e estudante de Mestrado, numa área que causa sempre espanto naqueles que bebem ignorância, mas também como trabalhadora-estudante.
Pensemos, em primeiro lugar, nos estudantes que, ainda com pouca qualificação, procuram adquirir um emprego que lhes permita obter um pouco de rendimento, para as despesas mais superficiais, mas extremamente necessárias. Vemos muitas vezes, este tipo de jovens em trabalhos muito precários, em part-time, por períodos sazonais, em cafés, minimercados, restaurantes, colheitas agrícolas ou supermercados. A verdade é que são uma mão de obra barata e, por norma, pouca exigente e tudo isto faz deles alvos apetecíveis para os empresários que querem apenas “desenrascar” um problema. Porém, se fizermos uma visita aos centros comerciais, a essas multinacionais que lhes poderão oferecer muito melhores condições de trabalho e uma experiência mais enriquecedora, encontramos bastantes jovens, que à partida não têm cursos superiores e não são estudantes que, mais tarde, irão obter essa qualificação. Sim, é verdade. E tudo isto tem uma razão lógica: trabalhadores que possuam uma licenciatura ou outro nível de escolaridade superior, terão de possuir um vencimento igualmente superior, que se adeque ao seu grau de qualificação, ainda que as áreas não tenham nada em comum. E é nestes momentos que os jovens estudantes universitários começam a aperceber-se que, apesar de todo o seu esforço académico, haverá sempre portas que se fecham e que o tal conselho que lhes deram, afinal, não era assim tão verdadeiro.
Por outro lado, pensemos nos recém-licenciados que se candidatam a determinada função, de acordo com a sua área académica. Terminam o curso e imbuídos do entusiasmo de entrar no mercado de trabalho, procuram integrar uma empresa, mas a porta é, novamente, fechada. E, neste momento, caro leitor, já se deve estar a questionar: “Fará isto algum sentido?”. Claro que sim! Não têm experiência na área. Mas, como poderá alguém ter experiência numa tarefa que nunca desempenhou e para a qual nunca ninguém lhe deu a oportunidade de praticar? Não, não existe nada que possam dizer que, para mim, justifique este tipo de atitude e ideal. Para que estudamos tanto, afinal? Para que apostamos tanto em mão de obra qualificada, se, depois, não está apta a atuar sob determinada tarefa?
Julgo, então, que continuamos completamente cegos, a incentivar os jovens a investir o seu esforço, o seu tempo e algum dinheiro num caminho que poderá não ter tantos frutos como desejado. Portugal pode até ter cada vez mais qualificações e, por isso, ser muito evoluído, mas falta-nos o principal: garantir que podemos sobreviver, que possuímos um emprego que nos permita pagar as nossas despesas, sermos independentes, mas que faça parte das nossas escolhas e da nossa felicidade, tal como o futuro que nos prometeram, quando recebíamos aquele velho conselho. Se calhar, Saramago tinha razão, não conseguimos ver o que está à nossa frente.
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