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"Só queria um pedaço de pão"

Atualizado: 19 de jan. de 2024

Dia 23 de dezembro: um sem abrigo ou a procura do presente de última hora?



Podem colocar o cinto, porque já chegamos à época mais esperada do ano. A época de comprar isto e aquilo, um miminho para o filho João e até para a irmã da mãe da cunhada. Porque, o que seria não comprar um presente no Natal para quem só vimos duas vezes na vida? Meu deus, o que seria e o que os outros pensariam?


Chegamos, chegamos e acabamos de parar na Rua de Santa Catarina, saiam do carro que hoje vai ser um dia em cheio. Hoje é dia de gastar até o que não temos em prendas que, por mais desnecessárias e por mais vazias de significado que sejam, têm de ser compradas. Porque senão o que seria? No meio de tanta confusão e música natalícia alguém imóvel e sem expressão, um senhor que estava na rua parado e abesbílico, com a tamanha confusão do dia 23, o dia antes do Natal. Um dos dias tão ansiados por uns, mas tão temidos pelos que passam todos os seus dias nesta rua que já é a sua “casa”.


Estava enrolado nas suas mantas, até que, com tanto calor humano e tantas pessoas na extensa rua que hoje até parecia demasiado pequena, já nem sentia o frio aterrador desta época do ano. Tinha calor suficiente à sua volta, o calor da ansiedade de arranjar os presentes de última hora. Lá estava ele, com o seu pedaço de cartão já desgastado e pisado por tantas daquelas pessoas que, distraídas e focadas na lista que tinham na mão, nem sequer se dignavam a olhar para baixo.

“Só queria um pedaço de pão.”

As preces deste homem jamais seriam ouvidas, mesmo sendo quase impossível que ninguém prestasse atenção ao cartaz que só pedia um pedaço de pão. Zara, Bershka, Primor, Sephora, Levi's, todos os que carregavam estes sacos não olhavam para baixo, só olhavam para cima, para si e para as altas montras. Prendas e mais prendas para este e para aquele. Porque se se esquecessem de alguém, o que seria?


O consumismo desmedido estava visivelmente espelhado nos portuenses que carregavam os mais diversos sacos e afirmavam, de modo assertivo, "não tenho dinheiro”, “não tenho moedas para lhe dar nada”. É uma sociedade na qual não paramos um momento que seja para olhar para o que nos rodeia e para a pobreza que está mesmo à nossa frente. E ele só queria um pedaço de pão, mas o que seria perder um minuto para ir buscar uma sandes ao café do lado com um bocado de manteiga e fiambre? Não há tempo para isso, nem sequer dinheiro. A distinta linha que parecia separar os dois mundos completamente diferentes é assustadoramente real. Um mundo onde, nesta época reina a compra excessiva para este e para aquele, e o mundo onde a pobreza extrema é o grito de guerra dos que vivem naquele lugar. Um grito de guerra nunca ouvido pelos que se deixam guiar pelo consumismo e pela aparente surdez nesta que é a viagem até às prendas ideais.


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